Quinta da Regaleira é um bocadinho do Brasil
Conhecer certos lugares em Portugal é reaprender a história e descobrir conexões que vão além dos livros escolares. Minha geração aprendeu que o Marquês de Pombal era um infame que queria levar mais ouro brasileiro em forma de impostos sobretaxados – como em séculos passados tinha acontecido com os santos de pau oco. Daí já aprendíamos a Inconfidência Mineira e saltávamos para a Independência do Brasil.
Nenhuma informação sobre o terremoto seguido de maremoto em 1º de novembro de 1755 que matou mais de 10 mil pessoas e destruiu casas, igrejas, bibliotecas com acervos históricos. Lisboa devastada. Outras cidades com perdas pois calcula-se que o terremoto tenha sido entre 8,7 a 9 da escala Richter. E aí vem a taxação das colônias, entre outras medidas, para construir uma nova Lisboa. Tudo sob o comando do Marquês de Pombal, nomeado pelo rei para hercúlea tarefa.
Não dá para julgar o passado com a visão do presente. E o exercício do não julgamento é fundamental para os imigrantes brasileiros nesse século XXI em terras portuguesas. Então, tenho redescoberto a história brasileira e travado conhecimento sobre a portuguesa. E percebido muitas conexões além de romances de príncipes e movimentos revolucionários.
Uma das pessoas que fizeram a conexão entre os dois países foi António Augusto de Carvalho Monteiro, nascido no Rio de Janeiro onde viveu até os 13 anos. Tornou-se filantropo, homem de cultura e conhecido como Monteiro dos Milhões, alcunha herdada do pai. Em 1892 ele tem uma ideia ousada e constrói uma casa de verão que se tornaria monumento nacional. Era figura singular, apaixonado por Camões, tendo custeado várias edições de Os Lusíadas reunindo exemplares antigos, um deles da primeira edição da Comédia, que está na Biblioteca do Congresso nos Estados Unidos.
Segundo António Poitier Carvalho Monteiro, neto de António, disse a Vitor Manoel Adrião em entrevista para o texto do blog Lusophia publicado em junho de 2018:
– Ele falava latim como nós falamos o português. Dizia Os Lusíadas de cor, canto por canto. E tinha uma enciclopédia luso-brasileira.
Fui conhecer António, sua paixão por Camões, por temas ocultos e pela mistura de belezas tropicais e europeias em Sintra, ao visitar a ‘sua’ Quinta da Regaleira com meu sobrinho Octavio, sua mulher Alessandra e minha sobrinha-neta Maria Eduarda, a Duda, que mudaram recentemente para Portugal.
Os nevoeiros de inverno ampliam o clima de mistério na Quinta da Regaleira. Nos seus quatro hectares, ergue-se o imponente palácio que mescla estilos arquitetônicos romano, renascentista e manuelino com símbolos da maçonaria, templários e Rosa-cruz. Diz a lenda urbana que Carvalho Monteiro pertencia a sociedades iniciáticas conectadas com os preceitos templários que estão por trás da concepção de Portugal – o estandarte com a cruz templária é claro sinal dessa presença e influência para nascimento da nação (aguarde o futuro post a respeito!).
Aí, para completar o clima, desça o poço iniciático de 800 metros por uma escada estreita com a água caindo das paredes em certos trechos. No final depare-se com tuneis pouco iluminados nas grutas. Realmente, Indiana Jones deve ter andado por aqui!
E como todo local turístico que se preza, tem loja e cafeteria – indispensáveis, na minha opinião, em qualquer monumento ou museu! O frio gelado pede expresso e folhados para recuperar o folego. Aí é hora de caminhar pelas grutas e jardins que misturam plantas tropicais brasileiras e europeias. Ao andarmos nas alamedas e vermos palmeiras ao lado de roseiras, Alessandra lembra a música de Cazuza – “isso aqui, ô ô, é um pouquinho de Brasil, iá iá… “. Pura verdade!
E como a Europa era (e ainda é) uma grande aldeia global, quem António contrata para transformar seu sonho enigmático em realidade? O Luigi Manini, cenógrafo no Teatro La Scalla de Milão e nos principais teatros portugueses. Era mesmo necessária uma alma artística para transformar os desejos em pedra. Manini desenha, encomenda obras de arte e supervisiona tudo.
No final do passeio, a reflexão: não foi nada ruim termos sido ‘descobertos’ por um ousado português e termos misturado povos para sermos o Brasil. País que hoje vê muitos dos seus filhos buscarem melhor qualidade de vida nas terras desse intrigante país.
1 Comentário
Muito bom texto! Esclarecedor e sucinto!