Descubra a maior coleção de obras de René Lalique na Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa. Explore a conexão entre arte, vidro e perfumes, e conheça o legado do pioneiro do Art Nouveau.
Em semana de final de Olimpíadas em Paris, é tempo de beleza
e arte. E isso está ligado diretamente à compra de perfumes. Afinal, quando
escolhe-se um perfume em lojas europeias, em muitas vezes, além da fragrância,
a tomada de decisão pela compra recai na beleza do frasco. O comprador ou
compradora não imagina que por trás daquele vidro finamente trabalhado e
colocado em uma embalagem cuidadosa e elegante está uma história de talento e
visão empreendedora de um artista francês que deu ao mundo inúmeras belezas no
vidro.
René Lalique (1860-1945) foi o primeiro artista a esculpir em vidro em obras como as seis fontes de vidro com motivos de pombos e com esquilos e pinhas no Rond-Point dos Champs-Élysées. Também as Galeries Lafayette, em Paris, e as decorações em vidro do famoso trem do Expresso do Oriente, o salão de jantar do navio SS Normandie, além da decoração da igreja de St Matthew, em Millbrook, na Inglaterra e do interior do palácio imperial do Príncipe Asaka. Foi ainda ele que definiu a estética do movimento Art Nouveau, que sempre admirei. O legado de Lalique na difusão do vidro em larga escala contribui para alterar definitivamente a relação entre a arte e a produção vidreira.
Galeries Lafayettes, interior de palácio imperial japonês e salão do navio SS Normandie
E qual não foi minha alegria ao visitar há alguns meses a Fundação Calouste Gulbenkian e ver a maior coleção de Lalique em função da grande amizade entre Calouste e René. Ali estão quase duas centenas de obras de René Lalique, entre as quais se contam algumas das mais célebres joias criadas pelo artista.
Filho responsável pela renda da casa após a morte de seu pai, René foi aprendiz do ourives Louis Aucoc, estudou em Paris e depois em Londres, onde aprimorou seus talentos com design gráfico e desenvolveu um trabalho na joalheria com base na natureza.
Mas Lalique foi além da concepção de obras artísticas. Foi o primeiro a pensar na influência da embalagem para a venda de um perfume. Depois de ter aberto sua própria loja em 1890 na Place Vendôme, de Paris, além de criar os frascos em vidro, concebe a comercialização de um produto de luxo em embalagens refinadas e elegantes. E cria a produção desses objetos em série, tornando-os acessíveis a um maior número de pessoas.
Vasos Languedoc, 1929 e Cluny, 1925
Tudo teve início quando em 1907 quando Lalique conhece o perfumeiro François Coty, responsável pelo conceito de perfume moderno. Coty convida Lalique a idealizar os frascos especialmente destinados às suas fragrâncias. E em 1909, Lalique aluga uma oficina vidreira nos arredores de Paris para atender a encomenda em série. E como pessoa prevenida, registra a patente relativa a fabrico de frascos, garrafas e vasos seguindo um processo de moldagem que conferia regularidade e precisão de acabamento.
frasco Sereias, 1905
Com seu espírito empreendedor, constrói uma fábrica em Wingen-sur-Moder para produzir em grandes quantidades e patenteia diversos processos novos de fabricação de vidro e vários efeitos técnicos, como o satinado Lalique ou o vidro opalescente. Anos depois, abre uma segunda fábrica. Ambas empregavam 400 funcionários. Segundo suas palavras:
– Quando um artista encontra algo belo, deve tentar disponibizá-lo para que um grande número de pessoas o possa apreciar.
Peitoral libélula, 1897-1898, com ouro, esmalte, crisóproso, diamante e pedra da lua
Nas duas guerras mundiais, René converte suas fábricas para os esforços de guerra.
Após dois casamentos e seis filhos, de 1937 em diante, sua saúde deteriora-se em função de severa artrite que limita seus movimentos e morre em maio de 1945 aos 85 anos.
Os traços femininos a dar leveza
Além de inspirar-se na natureza, Lalique ousou a usar o corpo feminino como um elemento ornamental, e a usar em suas joias elementos como marfim e esmalte, além do vidro.
Ele inicia sua carreira em uma época de transição, como relata Elizabeth Ewerton na obra “René Lalique, Enchanted by Glass”:
– Havia um grande sentimento de otimismo relativamente a essas mudanças e muitos acreditavam que a humanidade estava inexoravelmente a progredir no sentido de um conhecimento total através da ciência.
Outra inovação por trás daquele frasco de perfume adquirido nas lojas europeias é a produção de um vasto conjunto de peças como estatuetas de vulto perfeito, vasos moldados a cera perdida e objetos soprados em montagens de prata. A técnica de cera perdida é derivada de um processo milenar de fundição de objetos em bronze que Lalique adapta para o vidro.
.
Na Exposição Universal de 1900, Lalique conhece o trunfo absoluto ao apresentar entre várias peças, a jarra Cardos. Era o reconhecimento de uma então técnica nova. Em reportagem no site Sol, a historiadora da joalharia Vivienne Becker descreve:
– As multidões amontoavam-se para ver as obras de Lalique na Exposição, empurravam os narizes contra a montra da loja, para contemplar, divertidas, as criaturas fantásticas e os objetos de sonho que estavam a fazer tanta sensação em Paris e em todo o mundo. A sua mostra na Exposição era estranha, erótica e atraente. Morcegos de veludo preto voavam contra a gaze cinza de um céu noturno cravejado de estrelas.
A era de otimismo na Exposição de 1925
A ligação entre a arte e a indústria torna-se mais forte na Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas em 1925. Ali, a palavra de ordem passa a ser o consumo. Lojas, pavilhões e salas decoradas com o então moderno estilo art decó atraem visitantes e popularizam a nova estética. Foi um momento de presença de nomes como Le Corbusier e Robert Mallet-Stevens, na arquitetura. No pavilhão de Lalique, foram colocadas mais de 20 mil peças de vidro com motivos floreais e uma sala de jantar onde o vidro era a figura onipresente – no teto, no revestimento decorativo, na iluminação.
Então, fica a dica: quando visitar Lisboa, não pode deixar de ir ao Museu da Fundação Calouste Gulbenkian. Ali dedique uma hora à exposição das peças de René Lalique. Prometo que vai se deliciar e apreciar ainda mais as essências e suas embalagens quando comprar perfumes!
Fotos e informações do livro “René Lalique e a Idade do Vidro – Arte e Indústria”, publicado pelo Museu Calouste Gulbenkian, e imagens de internet.
#René Lalique #Fundação Calouste Gulbenkian #Art Nouveau #frascos de perfume #coleção Lalique #Lisboa
9 Comentários
Muito bem !
Com toda a simplicidade e objectividade na informação!
Obrigada pelo apoio e comentário, Jorge. E vamos em frente!
Adoro Art Deco!
Também! E não conto a muita gente, mas em uma de minahs viagens visitei o atelier da filha de Lalique – um presente dos deuses!
Adoro Art Deco!😊
Muito interessante, obrigado!😊
Obrigada, Giacomo!
Excelente texto!
Aina que tardia a resposta, obragada pelo apoio de sempre!