Canidelo, cantinho que se torna querido
Nos primeiros dias em Portugal, ainda em fevereiro, iniciei as minhas caminhadas pela freguesia de Canidelo (no Brasil, é bairro), e encontrei a Igreja de Santo André de Canidelo. Então, criei um hábito. Sempre que vou buscar o jornal Expresso no posto da CTT às sextas ou aos domingos, costumo fazer uma paragem na igreja que tanto me lembra as de Salvador (BA). Ali, no cantinho ao lado da pia batismal, faço preces, descanso e admiro os afrescos. Gosto de conhecer igrejas por onde vou, pois acredito que é uma forma de – além de estabelecer conexão com o divino – conhecer um pouco da história local.
No domingo, 2 de julho, percebi certa movimentação na porta, com pessoas cumprimentando-se efusivamente. Será que teria um casamento? É sempre bom admirar igrejas decoradas para festas. Além disso, seria uma boa oportunidade para, depois do evento, vê-la mais de perto, pois as portas principais permanecem fechadas fora dos horários de missas. Pela quantidade de ouro ali presente, a igreja tem um sistema de segurança com portas de vidro nas laterais e câmera.
Então, no meu canto habitual, perto da pia batismal, reparei num jovem a colocar os folhetos nos bancos. E qual não foi a minha surpresa quando minutos depois, o mesmo jovem regressa à nave principal, já paramentado, abre as portas e saúda as pessoas! É estranho ver um padre tão jovem. Lentamente, as pessoas vão entrando, seguindo uma senhora acompanhada provavelmente pela sua filha.
No altar, o noivo Ricardo Rocha olha para a frente, o que me chama a atenção pela diferença com o Brasil, onde o noivo olha para a entrada da noiva e vê uma sequência, na minha opinião um pouco exagerada, de padrinhos e madrinhas a ingressar no recinto.
A noiva Ana Borges entra com a sua mãe e depois entra Sophia, uma bela menina de um ano e dois meses, no colo de provavelmente um parente.
O padre Pedro Sousa, de 31 anos, inicia uma inusitada cerimónia – casamento seguido do batismo da filha do casal. Para minha surpresa, o texto escolhido é um dos meus preferidos: 1ª Epístola de Paulo aos Coríntios, capítulo 13: “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o sino que ressoa ou como o prato que retine…”.
Segundo reportagem do site A Verdade, o jovem padre dehoniano Pedro Sousa acredita que “o amor é a palavra-chave de toda a fé em que acreditamos e a palavra-chave da felicidade. Podemos acreditar muito ou pouco, mas se adotarmos a vida de Jesus para a nossa, vamos alcançar o amor verdadeiro. Alguns procuram noutras coisas. Mas acredito que este modelo nos mostra uma forma de chegar mais rápido à felicidade”.
Vale esclarecer a nomenclatura dehoniana. A Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos) nasceu em 1878, em Saint-Quentin, França, por obra do seu fundador, Padre Leão Dehon, então sacerdote da Diocese de Soissons, coadjutor da Paróquia de Saint-Quentin e diretor do Colégio São João. A congregação assumiu inicialmente o nome de Oblatos do Sagrado Coração. Depois de um início difícil e algum tempo suprimida pela Santa Sé, em 1884, renasceu com o nome oficial de Sacerdotes do Coração de Jesus.
Voltando ao casamento, Pedro Sousa diz que mesmo sem ter a experiência no matrimónio, dá um conselho ao casal: além de olharem um ao outro, ambos devem olhar na mesma direção.
Após a comovente cerimónia, dirige-se à pia batismal e eu mais que depressa, saio dali e entro na outra porta lateral. Sophia, como toda criança, chora um pouco ao receber a água santa, acalmando-se logo.
Todos saem e aguardam a saída dos noivos que, passados alguns minutos, são saudados com arroz e pétalas de flores.
Na volta para casa, vejo o cortejo de carros seguindo o veículo dos noivos, todos buzinando pelas ruas de Canidelo.
Caminhando, fico a lembrar dos casamentos (religiosos ou civis) dos meus sobrinhos e dos batismos da sobrinha e afilhada Annamaria e do sobrinho-neto e afilhado João Pedro. Então, lanço um desejo para o universo:
Quem sabe não conseguimos reunir a família toda (vinda de vários cantos) em 2024 ou em 2025 nesse cantinho tão querido chamado Canidelo?”