Aprender a língua materna parece fácil, mas demanda boa-vontade e treino para ver, ouvir e perceber as diferenças
Nessa semana, mais precisamente dia 13 de fevereiro, completo dois anos em Portugal e sequer posso dizer que já domino o idioma português. Mas como, dirá o leitor ou leitora do post: não é a nossa língua materna?
Bem, traz um bocadinho de conforto ouvir a língua materna, mas o idioma está longe de ser o mesmo! Ledo engano!

Mário Prata, em seu dicionário “Schifaizfavoire”, registrou as diferenças em forma de crônicas. E há quem diga que nossa forma de falar no Brasil é mais próxima de figuras ilustres da época de Camões, pois não ‘engolimos as vogais’.
Para conhecer melhor o idioma português escrito e falado em Portugal, leio os jornais – Público e Expresso – em versão digital –, uso dicionário online e anoto as palavras novas, seus significados em Portugal e sua ‘tradução’ para o português do Brasil. Até para diminuir minha incompreensão em situações em que não entendia o que me diziam.
Por exemplo, a primeira vez que ao trabalhar como voluntária na organização Refood, eu ouvi a palavra perceber, não entendi nada. A colega dizia:
– Não percebi, Lena. Não percebi…
E eu cá para mim, dizia – mas o que ela precisa perceber aqui? Até eu finalmente entender que perceber significa em Portugal entender…

Como Prata diz em seu livro, o c e o p mudos não são pronunciados e pela nova grafia, alguns deixaram de existir. Um exemplo é a palavra recepção, que em Portugal é receção.. Então, como diz Prata, se ouvir seu nome para dirigir-se à receção, não pense que estará a caminho da velha conhecida nossa recessão! Há autores e jornalistas que escrevem ainda com a ‘antiga’ grafia, desconsiderando o Acordo Ortográfico de 1999.

Outro autor cujos textos publicados no Público leio diariamente é Miguel Esteves Cardoso (MEC), escritor, cronista, jornalista e crítico português, com seu estilo irreverente, humor inteligente e observações perspicazes sobre a sociedade, a cultura e a identidade portuguesa. MEC é da mesma geração que a minha, nasceu em Lisboa, estudou Ciências Económicas e Políticas no University College Londo, no Reino Unido.
Entre os seus livros, recomendo o último, lançado em 2024 – Como Escrever.

Ainda que distantes em vários aspectos além da geografia, os dois países aproximam-se em vários momentos, especialmente na cultura e na literatura. Um desses momentos foi o programa 1000 vezes Camões, no episódio 11, de 8 de fevereiro pela RTP.
O responsável pelo conceito do programa e quem o apresenta é o consultor editorial e escritor Jorge Reis-Sá, que atua para várias instituições e editoras. No episódio o entrevistado foi Eucanaã Ferraz, poeta e professor de Literatura Brasileira na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro e consultor de literatura do Instituto Moreira Salles.
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A conversa aconteceu na Quinta da Fidalga, na Câmara Municipal de Seixal. Ali, segundo reza a lenda, Paulo da Gama, Irmão de Vasco da Gama, vinha acompanhar a construção das caravelas. Numa delas, Vasco da Gama, foi para a Índia, noutra terá ido Luís de Camões e noutra Pedro Álvares de Cabral foi para o Brasil.

É na poesia do brasileiro Gregório de Matos, segundo Ferraz, em que é possível perceber a presença de Camões. Mas, curiosamente, ele diz que é no modernismo que a presença camoniana aparece. E talvez seja Drummond o poeta que melhor o compreendeu e o incorporou.
Na fonética, não há nada muito sólido que mostre as mudanças do idioma ao longo dos séculos pela ausência de registros orais antigos. Entretanto, há um processo histórico mais intenso no século 19 com a economia linguística. Ou seja, as vogais foram perdendo a acentuação ou ficando fracas ou até desapareceram.
Assim, se falamos no Brasil a palavra ‘ele’ com a vogal e acentuada duas vezes, em Portugal, ouve-se ‘el’ . No início, estranha-se, mas é uma questão de o ouvido acostumar-se. Além do dicionário, também li o livro “Erros de português nunca mais” , de Analita Santos, autora e mentora literária, que recomendo. Participei no ano passado de um curso online de escrita ministrado por ela e acompanho os novos autores (independentemente da idade) em grupo específico de WhatsApp.

Acredito que aprender o português em Portugal também ajuda a criar sinapses no cérebro, o que rejuvenesce! Então, ao visitar Portugal ou caso decida morar nesse belo país, prepare seus ouvidos e olhos e descubra um novo idioma!
Se estiver a visitar Portugal pela primeira vez e ouvir no bar perguntarem se quer água fresca ou natural, é simples. Se quer gelada, peça fresca! E se quiser uma boa média (daquelas que lembra as padarias paulistanas), peça uma meia de leite.
E assim, de bocadinho em bocadinho, aprendo um novo e velho idioma conhecido nessa minha morada.
