Volnei Malaquias e sua arte intrigante
Quem prepara-se para o Carnaval na bela quadra Azul e Branco da Portela ou estuda em uma das salas do seu complexo socioeducativo, talvez não imagine que o autor do projeto que deu asas à águia e a fez brilhar e fazer parte ainda mais da vida da comunidade de Madureira no Rio está a fazer suas artes em terras lusas.
Esse garoto de Ipanema, para a sorte de brasileiros residentes em Portugal e de portugueses, é garoto de Lisboa, há cinco anos. Caso ainda não o conheça, apresento o artista plástico e arquiteto Volnei Malaquias, um carioca de fala mansa, belos e tranquilos olhos e uma paixão revelada nos seus quadros a partir de fotografias inusitadas.
Volnei nasceu em Visconde do Rio Branco, pequenina cidade da Zona da Mata Mineira, microrregião de Ubá, perto de Viçosa. Entretanto, foi criado desde um ano e meio no Rio de Janeiro, para onde a família mudou-se. Depois de morar na Tijuca e no Meier, fez sua vida em Ipanema. Desde menino, gostava de desenhar e já mostrava o talento para o incomum e a vertente de empreendedor. Afinal, que menino desenharia os personagens de Hanna-Barbera, como os Flintstones, em pedaços de madeira, queimaria para dar a forma e venderia para os amigos?
Como toda história de meninos e meninas criados em famílias tradicionais, Volnei receou contar ao pai sua paixão por belas artes. O encontro com as artes só se solidificaria mais tarde, ainda que por vias meio tortuosas.
Seu irmão mais velho estava formando-se em Economia quando Volnei ingressou na faculdade e o discurso familiar (tão ouvido em tantas famílias) surgiu naturalmente: “Podes fazer o que deseja. Entretanto, se estudar Economia, quando se formar, ele já estará na profissão e poderá te ajudar”. Quando chegou a época de decidir para o exame vestibular, fez uma difícil opção, como conta:
– ‘Belas Artes” não vai poder ser, porque senão vai ter problema na família. E Administração também não, porque aí eu vou ter problema. Então, optei pela arquitetura – afinal, tinha um pouquinho de técnica, de engenharia e a história da arte em si.
Além de estudar, foi trabalhar no mercado financeiro em época de alta inflação no Brasil. Com o que recebia, conseguia triplicar seu salário com aplicações na Bolsa de Valores. Então, abandonou a Arquitetura e ingressou nos estudos de Economia. Até que ‘ouviu a voz interior ou intuição ou teve um clique’.
Por volta de 1988, aos 20 e poucos anos, abandonou o supersalário (algo como 5 mil euros nos dias de hoje), foi ganhar um valor mínimo (algo como 100 euros) e ingressou na FAU – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Belas Artes cruza novamente seu caminho. Afinal, pode tentação maior que ter os dois cursos no mesmo edifício? Irresistível!
Mas a rotina louca continuou. Imagine cursar duas faculdades com uma imensa quantia de trabalhos práticos e que exigem criatividade? Volnei forma-se em arquitetura e, aos 26 anos, sai de casa para construir sua própria vida. Além de ser arquiteto, também ministrava aulas em faculdade de arquitetura, como conta:
– As minhas aulas eram sempre voltadas a estudo da forma, a composição, a maquete, então tudo convergia, de certa forma, para o lado artístico, o que adorava. Atendia os clientes e ainda trabalhava com projetos de escolas ou voltados para a área social.
Um desses projetos é o belo projeto da quadra da Portela, a escola azul e branco muito querida por cariocas, especialmente os moradores de Madureira. Tudo começou com um convite de uma aluna das Faculdades Integradas Silva e Sousa, com campus em Jacarepaguá, cujo marido era diretor da Portela. Volnei foi a um ensaio da escola e ficou extasiado.
Uma escola dentro da escola de samba
Aqui cabe um aparte meu, apaixonada de coração pela cidade do Rio de Janeiro. Quem reside no Brasil e nunca foi a um ensaio ou desfile de escola de samba, ainda não entendeu plenamente a alma carioca. A escola de samba contagia e faz a pessoa descobrir um mundo de alegria, solidariedade, camaradagem e com leveza!
Volnei, apaixonado por esse mundo, e por entender formas e arte como arquiteto, faz um projeto de uma escola técnica que preparasse mão de obra para o carnaval dentro da escola de samba. Pesquisa a história do Carnaval, a indústria de escolas de samba e, em 2007, apresenta para o presidente da Portela, que ama o projeto – ainda que ousado e caro.
Tudo ia bem, certo? Mas o universo muda novamente seus planos. Seu parceiro Renato é transferido para o Canadá, inicialmente para seis meses, período que se transformou em dois anos. Quando retornam para o Rio de Janeiro, é contactado por uma empresa de engenharia que estava fazendo a reforma da quadra da Portela (o projeto ficou parado dois anos até obter a verba necessária) que o convida para atuar junto. Coisas do destino?
E, dessa forma, aceita o convite para trabalhar na obra que segue sua concepção arquitetônica. A reportagem do jornal Extra de 31 de janeiro de 2012 descreve o projeto:
“A fachada já anuncia um espaço remodelado, inspirado na arquitetura do Centro do Rio, no início do século 20. Mas poucos passos para dentro, o frequentador vai se encontrar com o símbolo maior da agremiação do subúrbio: a águia, de asas abertas. As obras foram orçadas em torno de R$ 4,3 milhões. Entre as principais transformações, estão a construção de camarotes com rampas de acessibilidade e elevadores, dez banheiros, uma praça com quiosques e um espaço para apresentação da bateria, e a modernização do espaço voltado para capacitação profissional — com 22 salas, incluindo biblioteca e laboratório de informática”.
Volnei ousa e vai além do samba. Transforma um frigorífico abandonado em uma sala de dança para atender 120 crianças. Três meses depois, eram mais de 500 crianças escritas. Seis meses depois, uma fila de espera para mil crianças. Na formatura da primeira turma de crianças da comunidade vestidas de bailarinas e dançando balé clássico, em meio a choros e emoção, teve a certeza de que era esse o caminho – transformar a vida de pessoas por meio de seu conhecimento técnico e da arte.
.
Terra europeia à vista!
As viagens de Volnei e Renato para a Europa eram frequentes e em 2018, em mais uma crise financeira no Brasil, decidem investir em um apartamento na freguesia (bairro) de Estrela em Lisboa, para mudarem-se definitivamente como aposentados.
Durante a reforma em que foi preservado o conceito arquitetônico europeu de moradia, Volnei começa a andar pelas ruas e a fotografar elementos urbanos. Daí para criar histórias com base no que via, foi quase que natural. Em 2020 mudam-se para o novo lar e vivem a pandemia em solo português.
Assim como para muitas pessoas, a pandemia proporcionou a Volnei uma parada e depois de muita reflexão, decide seguir novo rumo aliando fotografia e arte. O primeiro trabalho foi baseado nas poesias do Manoel de Barros, destacado poeta brasileiro contemporâneo (sua obra ‘Livro sobre nada’ traz poemas curtos em que desconstrói a linguagem para reorganizar um mundo singular, em que expressa de forma contundente sua adesão a tudo que não tem importância, é solitário ou vazio).
Nasce o artista plástico? Ou ressurge?
Ruas vazias e um mundo a explorar. Um corrimão pintado, uma casa abandonada, uma parede descascada. Elementos que foram palco nas vidas de pessoas e tiveram suas histórias. Com sua visão de arquiteto e de artista, Volnei via novas formas e leituras nos elementos urbanos.
Em 2020, participa e ganha o primeiro prêmio da Bienal de Arte de Liechtenstein (principado de língua alemã entre a Áustria e a Suíça). Um ano depois, faz a sua exposição individual “Fragmentos”, na Galeria Remarkable Treasures, na Rua Castilho, Lisboa.
Depois de algumas exposições coletivas, realiza a mostra “O Despertar do Caos”, que é destaque na edição 11 da Prommotion (revista portuguesa que promove profissionais de fotografia, de arte e de produção de moda). O texto do jornalista e cineasta Stevan Lekitsch o define:
– O que os nossos olhos, de meros mortais e não-artistas, Volnei capta com olhos e a mente da arte, da cor, do subjetivo e da intensidade. Seus quadros, de pura abstração, remetem a galáxias, águas profundas, rios de lava, paisagens rochosas, ou, simplesmente, a uma explosão de texturas e pigmentos. Mas, na verdade, guardam uma origem muito mais surpreendente: são paredes descascadas, frestas de construção, passadeiras (faixas de pedestres), e outros tipos de intervenções urbanas das mais banais, espalhadas pelos cantos e becos de Lisboa. E que ele lê e traduz em quadros.
O trabalho criativo a partir do olhar
A partir de suas fotos, estuda e cria trabalhos únicos, impressos em telas de algodão, que permitem o aproveitamento da textura do pano. Na última exposição O Despertar do Caos (na galeria Barros&Bernard),
Volnei concebeu suas narrativas a partir da experiência do enfarte que teve no ano anterior como conta:
– Geralmente, mudanças são sempre para melhor. Então, percebi que as cores entraram de uma forma muito intensa. Aliás, o enfarte foi um divisor de águas para mim que sempre fui ansioso. O fato de eu ter infartado, lógico, gerou o despertar do caos, e que me trouxe mais tranquilidade. Passei a dar mais importância às coisas ínfimas que são deixadas de lado.
Hoje, Volnei está focado em apreciar seu trabalho a partir das fotos: “quando a pessoa faz uma coisa com carinho, os outros olham de outra maneira, percebem a sua luz”.
E então aquele menino e seus desenhos na madeira ressurge. Continua a amar o Brasil, o Rio onde moram seus pais, mas aos poucos solidifica raízes em terras lusas e celebra a escolha em viver de arte. Vale partilhar seu recado aos indecisos:
– Não adianta correr da sua essência, um dia irá dizer ‘chega’. O amadurecimento traz uma certa dor em querer viver mais. Então, a decisão tomada em viver aqui e viver a essência é uma ajuda para apreciar os próximos anos com leveza. Hoje eu quero ter o essencial. Quero viver de uma forma tranquila e sem preocupação. Não quero nada mais, nada menos do que ser feliz e pronto. E felicidade é exatamente isso. Você não precisa de muita coisa para ser feliz. É ter bons amigos.
Com um sorriso largo, Volnei explica que Renato está no Rio de Janeiro para vender o apartamento que eles têm naquela cidade e brinca: deixei de ser garoto de Ipanema para ser garoto de Lisboa.
Então, só basta desejar ao carioca brazuca que os caminhos sejam dourados como Ipanema e ricos de histórias como Lisboa!
Siga o Volnei no instagram: @volneimalaquiasphotos
#DespertardoCaos #VolneiMalaquias #Barros&Bernard #Arte #Lisboa #Portela #Carnaval
18 Comentários
Matéria sensacional sobre esse artista incrível!!! Além de um grande amigo!! Faz jus ao seu talento! Parabéns!!!
Um texto magnífico!
O dom de captar a leitura até ao fim da explanação.
A simplicidade e objetividade do texto é singular.
O arquiteto, professor , empreensedo, pintor, fotógrafo, pode bem orgulhar-se da brilhante carreira.
O texto fez a pincelada final que define bem o artista e a escritora.
Muito bom mesmo!
Muito oberigada, Jorge, pelos elogios e pelo reconhecimento do valor do artista que tentei transmitir.
Jorge, muito obrigada pelas ótimas observações. Foi um gosto imenso entrevistar o Volnei e faeer o post. E que venham outras histórias!
Lena, como sempre um texto em que a gente viaja e compreende totalmente o recado. Gostei muito!
Dorinha, que bom que gosta! Produzir esse blog tem sido um desafio delicioso!
Lindo primo ♥️
De Visconde do Rio Branco para o mundo.
Sucesso sempre.
Bom ver que a repercussão do post sobre o talentoso Volnei chega até suas raízes!
Tenho um quadro lindo do Volnei. Fiquei encantada com a forma que ele desenvolve a arte. Fico olhando para as telas e imaginando de onde veio a fonte de tanta beleza.
Grande artista e pessoa maravilhosa.
Bom ver a bela arte dele apreciada! E que venham novos!
Amigo e Artista cuja criatividade surpreende.
O nada, transforma-se em tudo com sua visão mais que especial .
Suas telas saltam aos olhos com suas cores e formas que se transformam em tridimensionais .
Vale a pena ver!
Marilene, bom receber esse comentário sobre um amigo seu e agora, meu também!
Adoro as obras do Volnei, são mesmo uma explosão de cores maravilhosas que me atraem e prendem muito
O bom gosto maravilhoso do artista está em todas as suas obras ! Difícil escolher uma ou outra, todas me encantam!!!
Valorização merecida !
Maria de Fátima, obrrigada pelo seu comentário. Volnei é um talento em pessoa e enriqueceu meu blog!
Um artista nato, uma pessoa linda, um amigo maravilhoso!
Que bom que gostou do texto que valoriza Volnei, uma pessoa incrível!
Nao conhecia e fiquei impactada com suAs obras! Valeu!
É mesmo incrível. Quando formos a Lisboa, conhecerás o artista em pessoa!