As páginas regressam mais maduras e belas
Cascais tem um charme especial. Lá, é possível ouvir com maior frequência o brasileiro, como é chamado aqui o português falado no Brasil. A cidade encanta com os seus restaurantes elegantes, casas deslumbrantes e vistas invejáveis. E há mais: carros idênticos aos que vemos nos filmes de James Bond. Perto dali, existem lugares que nos deixam sem palavras, como a Boca do Inferno ou o Cabo da Roca (ali, é impossível mesmo falar, devido ao vento do ponto mais ocidental da Europa!).
Assim, quando pensa que já viu tudo, chega à Praça da Fortaleza. Ninguém fica imune à Cidadela de Cascais, composta pelo seu Palácio, Torre de Santo António e a Fortaleza de Nossa Senhora da Luz. Respira-se história neste ambiente construído para defender a região dos ataques que ocorreram do século XV ao XVII. Desde meados do século XX, este foi o local escolhido pelas elites portuguesas e estrangeiras para desfrutarem de dias de verão na vila pertencente ao distrito de Lisboa.
Mulheres elegantes ou descontraídas, usando chapéus para se protegerem do sol ardente do verão – muitas acompanhadas pelos maridos. Aliás, vale a pena notar, após meses de observação (pode ser cedo e sujeito a alterações!): as mulheres portuguesas são altivas e têm opiniões firmes, expressas sem medo de serem felizes. São generosas e, ao mesmo tempo, dedicadas ao trabalho, seja ele qual for, e à orientação dos seus filhos.
Um exemplo dessa determinação feminina portuguesa é encontrado ao subirmos uma escadaria estreita no Restaurante Taberna da Praça. Quando chegamos ao primeiro andar do espaço pertencente ao hotel Pestana Cidadela Cascais, ficamos deslumbrados com as prateleiras repletas de livros já lidos em excelente estado, divididos por idiomas ou temas. Estamos na Livraria Déjà Lu, onde é possível encontrar livros a preços mais do que convidativos.
Ali está “A Relíquia”, de Eça de Queirós, em edição recente e em perfeito estado por 4 euros! Aliás, devo confessar que me tornei fã incondicional deste autor e do seu estilo. Na mesa do caixa, a voluntária Rita Lobo (simpática como a ‘nossa’ brasileira e doce Rita Lobo) conta que esta é uma livraria solidária, ou seja, todas as receitas são revertidas integralmente para a Associação Portuguesa de Portadores de Trissomia 21.
E quem teve a ideia de transportar os viajantes que aqui chegam, mais conhecidos como turistas, para os caminhos sinuosos e atrativos das palavras no papel? Duas portuguesas com muita determinação: Francisca Prieto e Maria Faria de Carvalho, que já tinham criado o blog Déjà Lu em 2011 para leiloar livros usados. Então, com exemplares vindos de todas as partes do país, elas encheram as prateleiras de um ambiente acolhedor como uma sala de casa.
Foi assim que nasceu, em 2015, a livraria Déjà Lu, que conta com voluntários para a recolha, catalogação das obras e atendimento. No Brasil, a Trissomia 21 é conhecida como Síndrome de Down. Descrita pela primeira vez em 1866 pelo médico inglês John Langdon Down, a Síndrome de Down consiste numa alteração cromossómica: em vez de dois, existem três cromossomas 21. Daí a designação Trissomia 21.
Uma das filhas de Francisca tem o nome de Trissomia 21 e é portadora da Trissomia 21. A jovem de 17 anos passou várias tardes da sua infância nas salas da Déjà Lu. E o projeto da Associação segue, com o objetivo de apoiar a profissionalização dos jovens portadores de Trissomia 21.
Legenda da foto
Desde 18 de julho, Francisca Prieto tem companhia na jornada de inclusão em Cascais.
Foi aberto o terceiro café-restaurante inclusivo e solidário da Associação francesa VilacomVida em Portugal. Ali serão empregados 12 jovens adultos com dificuldades intelectuais e de desenvolvimento, além de um gerente, um subgerente e seis supervisores que vão acompanhar e formar os jovens. Depois de conversar com Rita, pegar um pedaço de papel verde de um aquário (frases retiradas de livros, claro!), saio carregada de livros cuidadosamente acondicionados em duas sacolas de pano.
Estou feliz. Afinal, os livros que cobriam uma parede inteira do meu apartamento na Vila Leopoldina, em São Paulo, seguiram para outros leitores. E, numa vila do outro lado do oceano, encontro outros que estarão ao meu lado por um bom tempo – e, claro, terão outros companheiros assim que eu voltar à Livraria Déjà Lu!”