Passear pelas canções e matas ao mesmo tempo?

100 anos de Paulo Vanzolini são celebrados
no Sesc Ipiranga

“De noite eu rondo a cidade | A lhe procurar, sem encontrar | No meio de olhares espio | Em todos os bares | Você, não está |Volto pra casa abatida | Desencantada da vida | O sonho, alegria me dá | Nele, você está”

Quem é brasileiro (e quem é apreciador da música popular brasileira também) sabe de cor esses versos cantados em festas em meio a violões e cavaquinhos. Ronda, a primeira composição de Paulo Vanzolini, escrita nos seus 21 anos, gravada pela primeira vez por Inezita Barroso, é até hoje presença obrigatória em rodas de choro (música popular executada por um conjunto instrumental composto por flauta, violão, cavaquinho, pandeiro, clarinete, bandolim e trombone). Muitas de suas 70 canções estiveram nas vozes de Chico Buarque, João Gilberto, Maria Bethânia, Beth Carvalho, Cauby Peixoto, Elis Regina, Elza Soares, e muitos outros, com letras concebidas em linguagem direta, por vezes irônica e rica em detalhes. Vale reler a excelente matéria da revista Trip de 17 de agosto de 2011 sobre o mestre da harmonia na música e na natureza. 

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Minha visita à sobrinha Beatriz (Bia para todos!) em setembro para visitar o Museu do Ipiranga, por conta do trânsito paulistano e horário do museu, transformou-se em um belo passeio à exposição “100 anos de Paulo Vanzolini: o cientista boêmio”. A curadoria é da cineasta Daniela Thomas, com a colaboração dos filhos do homenageado, o diretor de arte e cineasta Toni Vanzolini e a psicóloga Maria Eugênia Vanzolini. Uma exposição imperdível no Sesc Ipiranga que celebra os 100 anos de Paulo Vanzolini que seriam completados em 2024 (nasceu em 25 de abril de 1924). Tive ainda o privilégio de contar com suas explicações pois é formada em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual Paulista em São Vicente.

Bia faz companhia para a tia Lena e ainda explica as etapas de classificação na zoologia

Vanzolini em sua casa, em 2011.

O Cientista Boêmio e Seus Biomas

Paulo Vanzolini  reuniu a ciência e a boemia da vida paulistana quase impossíveis de se conviver. Mas para ele, nada parecia deslocado. Compositor sem formação musical e sem saber tocar algum instrumento, dizia que tinha “pedaços de memória submersa” de músicas ouvidas no rádio desde criança. Precisava de um músico para colocar em pautas as músicas que tinha na cabeça, dizendo: “agora mais pra baixo, agora mais pra cima, o som é este”.

A canção vinha com a letra, e ia fazendo correções à exaustão, muitas vezes demorando mais de um ano para finalizar uma música.

Volta por cima é sua outra canção conhecida por quem teve desilusões amorosas. Quem nunca cantou seus versos como vingança após um amor sofrido? A música foi lançada pelo cantor Noite Ilustrada (que era Mario da Viola e ganha esse nome por conta da música, segundo Vanzolini) em 1963 com estrondoso sucesso. 

“Chorei, não procurei esconder | Todos viram, fingiram | Pena de mim, não precisava | Ali onde eu chorei | Qualquer um chorava | Dar a volta por cima que eu dei | Quero ver quem dava | Um homem de moral não fica no chão | Nem quer que mulher | Lhe venha dar a mão | Reconhece a queda e não desanima | Levanta, sacode a poeira | E dá a volta por cima!”

Cantor Noite Ilustrada

A paixão pelos répteis

Aos 10 anos, Vanzolini, por ter tido boas notas, ganha uma bicicleta do pai e seu primeiro passeio é o Instituto Butantan. Encantado com as cobras e lagartos ali expostos, decidiu que dedicaria sua vida aos répteis, na especialidade chamada herpetologia. Formado em medicina pela Universidade de São Paulo (USP), faz doutorado em zoologia em Harvard, nos Estados Unidos. Durante 50 anos, seus dias são dedicados à zoologia no Museu de Zoologia da USP, dos quais 30 como diretor. Conquistou reconhecimento internacional pelas suas descobertas e pela preservação do meio ambiente. Foi ainda professor de pós-graduação da USP e um dos idealizadores da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), da qual redigiu o anteprojeto de criação. Ele dizia:

– “O zoólogo tem que ir para o mato. Em casa, não vê nada, só vê a cara de sua mulher. Se quiser ver bicho, tem de ir para o mato”.

Cobra-de-duas-cabeças-amarelo-grande, encontrada em Trinidad e em todos os países da Amércica do Sul, exceto Chile. Come formigas e besouros.

Segundo apresentação da mostra no Facebook, em suas expedições ocorridas entre 1950 e 1980, Vanzolini vasculhou diversos biomas. Conheceu de perto a Caatinga, a Mata Atlântica, o Pantanal e a Amazônia, na companhia de outros pesquisadores como o americano Ernest Williams, amigos artistas, familiares e alguns estudantes que tinham sede de aventura.  A bordo do barco Garbe (abaixo), explorou os rios amazônicos e fez amigos em comunidades ribeirinhas a base de escambo: dava dinheiro aos moradores que lhe entregassem espécimes. O aprendizado pelo convívio vinha de brinde, tecendo uma linha de confiança mútua entre exploradores e habitantes.

Uma casa repleta de histórias

Maria Eugenia Vanzolini, uma de suas filhas, apresenta o pai no folheto da exposição, “com palpites de filhas e netos”:

– “Era sério, apesar de muito engraçado e irreverente, frequentemente cáustico, e de uma generosidade reconhecida por todos os que conviveram com ele. Tinha orgulho de ser funcionário público; dizia que isso era trabalhar para a sociedade e não para um patrão. Contava histórias das viagens, dos indígenas, coisas tão maravilhosas, sempre com o cachimbo na boca, a maior parte do tempo apagado”.

“Adorava ser avô. Netas e netos têm dele uma lembrança muito amorosa. Apesar da  barba que pinicava quando vinha dar um beijo! Inventava apelidos para todos, dava de presente cobras em vidros de formol que fascinavam as crianças, que achavam ser uma coisa normal até descobrir que não quando alguém de fora estranhava…”

Charge de Adoniran e Vanzolini

Sua casa, segundo Eugenia, era repleta de livros em vários idiomas, entre clássicos, misturados a literatura noir americana, gregos (que estudou no ginásio). E nos domingos, o ambiente mudava com a chegada dos amigos músicos para cantar sambas novos e antigos e contar casos”.

– “Nós o dividíamos com o mato, para onde ia nas suas expedições científicas. Somados os tempos, passava quase metade do ano em viagens”.

As noites de Vanzolini eram muitas vezes dedicadas à vida boemia em bares paulistanos.

A convivência e proximidade com artistas plásticos rendeu preciosas colaborações como a de Ademir Martins que ilustra seu livro Tempos de cabo. Costumava convidar os amigos artistas para retratarem cenas e paisagens de suas viagens. Em uma das viagens à Amazônia, o artista pernambucano José Claudio da Silva retratou em 100 telas a diversidade da fauna e flora amazônicas, a vastidão dos rios e as comunidades ribeirinhas. Essas obras encontram-se no acervo do Palácio do Governo do Estado de São Paulo.

Artistas e amigos, boa combinação
Tela Caboclo, de José Claudio em 1975

Para encerrar, vale citar uma frase da última canção composta por Vanzolini:

– “Quando eu for, eu vou sem pena. Pena vai ter quem ficar”.

Visite o Sesc Ipiranga e celebre o legado de Paulo Vanzolini. Confira horários e programe-se!

 A exposição está aberta de terça a sexta, das 9h00 às 21h30 e sábados de 10h00 às 20h00 e aos domingos e feriados de 10h00 às 18h30. Para organizar visitas em grupo, é preciso enviar e-mail para agendamento.ipiranga@sescsp.org.br

#PauloVanzolini #ExposiçãoSesc #MPB #100AnosDeVanzolini #CulturaSP #CiênciaeMúsica

Esse texto foi escrito com base nos materiais da exposição e na reportagem da revista Trip citada e pesquisa na web. 

Lena Miessva

Jornalista & Escritora & Blogger

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Olá, Sou Lena Miessva

Após percorrer várias estradas da vida no Brasil, Lena Miessva inicia um novo caminho em Portugal. Aprendizados nas relações humanas, na comunicação interpessoal e aprimoramento da escrita são seus focos principais nesses tempos de mudanças globais, locais e pessoais.

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