Mudar de continente requer a compra de itens semelhantes aos que tínhamos e tivemos que nos desfazer. Então, um dia, lá vou eu mais uma vez para a Leroy Merlin de Canidelo, desta vez acompanhada pelo sobrinho Octávio que está de férias e veio conhecer Portugal. Além da boa companhia, a vantagem é ele saber (e muito!) de eletrónica e de soluções para casa. Depois de perceber como tirar uma senha e qual atendente está disponível (aqui tudo é com senha – até para comprar pão na padaria, mas isso é outra história…), somos atendidos por um rapaz que imediatamente percebe que não somos daqui… Não, não é o sotaque brasileiro, é o facto de estarmos sem casaco nos últimos dias de outono. Começamos a falar sobre Lisboa – onde Octávio estava – e o rapaz já começa a explicar sobre as duas cidades. Confesso que não imaginava encontrar do outro lado do oceano Atlântico uma rivalidade semelhante à que existe no Brasil – entre São Paulo e Rio de Janeiro; entre Belém e Manaus e por aí em diante.
“No Porto se trabalha. Lisboa é para férias. Lá tudo é diferente”, esclarece o nativo português. “Se pedir uma cerveja, tem de dizer imperial. Aqui é fino”.
E isso não é de hoje! Permita-me apresentar Ramalho Ortigão, autor do livro “As praias de Portugal”. Se estás estranhando o nome, já te tranquilizo! Ele não é do nosso tempo. José Duarte Ramalho Ortigão nasceu em 1836 no Porto. Formado em Direito em Coimbra, acabou por abraçar o jornalismo. Amigo de Eça de Queirós, possuía uma verve espirituosa e era um excelente observador.
Conta nesse livro que, num determinado momento, os portuenses – mesmo detestando touradas – ao perceberem que Lisboa tinha uma bela praça para essa prática, construíram logo duas praças: “Vamos provar imediatamente que gostamos trezentas mil vezes mais de touradas do que eles!”, diziam. E foi assim que as touradas se tornaram uma atração durante dois anos, com trajes encantadores, guitarras importadas e muito mais.
Lisboa havia recebido uma terrível lição, diz Ortigão. O Porto havia mostrado que, se quisessem gostar de touradas, não haveria ninguém mais fanático, mais louco e mais frenético do que as pessoas dessa cidade. Lição comprovada, as praças foram abandonadas e os portuenses voltaram aos seus hábitos habituais – como apreciar o mar e o rio. E Ortigão conclui o capítulo, pontuando:
“O portuense é o homem mais dedicado, mais serviçal, mais bom homem. Apenas há três coisas de que ele não gosta. Não gosta de Lisboa. Não gosta da polícia. Não gosta da autoridade. Da autoridade, vinga-se, desprezando-a. Da polícia, vinga-se, resistindo-lhe. De Lisboa vinga-se, recebendo os lisboetas com a mais amável hospitalidade e com a maior subserviência bizarra”.
Então, será que sou Porto ou Lisboa? Rio ou Sampa? Manaus ou Belém? Não importa qual lado do oceano esteja, sigo apaixonada pelo modo descontraído e aberto de cidades banhadas por mares, sem deixar de gostar daquelas que se ergueram perto dos dos rios. Fino ou imperial? Importante é a companhia e a vista!
Abaixo a praia que fez parte de minha caminhada na última segunda-feira! Então, serei Porto ou Lisboa? Rio ou São Paulo? Manaus ou Belém? Não importa em qual lado do oceano esteja, sigo apaixonada pela forma descontraída e aberta das cidades banhadas pelo mar, sem deixar de gostar daquelas que surgiram perto dos rios. Fino ou imperial? O importante é a companhia e a vista!
Abaixo está a praia que fez parte do meu passeio na última segunda-feira!