Autorização de residência, o bilhete para se sentir em casa
5 de maio às 11h30. Este dia permaneceu em alerta na minha agenda desde dezembro do ano passado, quando recebi o passaporte com o visto concedido pelo governo português. Dia da entrevista no CNAIM – Centro Nacional de Apoio à Integração de Migrantes. Assim como eu, pelo menos duzentas pessoas ao longo daquela sexta-feira ensolarada na cidade do Porto dirigiram-se ao Edifício Capitolio. Na recepção, a funcionária pública localiza o meu nome, dá o bilhete D-34 e orienta: “olhe no segundo quadradinho no ecrã. Agora, está no D24”.
Na sala, quatro fileiras de cadeiras ocupadas por pessoas de diferentes origens acomodando cerca de 30 pessoas. Muitas vindas das ex-colónias portuguesas em África e que fazem parte da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. A CPLP, criada há 27 anos em Lisboa, é constituída por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Portugal, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste e tem como objetivo a cooperação político-diplomática e a defesa da língua portuguesa.
Mulheres negras jovens, alguns rapazes com turbante – e todos olhando para os seus telemóveis. Enquanto alguns trocam mensagens pelo WhatsApp, outros ligam e conversam em voz baixa nas suas línguas. Após 45 minutos, o bilhete H9 é chamado. Como não há resposta, a funcionária da recepção sai do edifício à procura do seu dono. Sem êxito. Muitos esperam do lado de fora e aproveitam para trocar informações, sempre úteis para quem se está a adaptar a um novo lugar. Na sala de espera, o ambiente é de silêncio – seguindo a orientação da placa que está numa das paredes.
Ao observar pessoas de diferentes origens, reflito sobre o quanto muitos de nós, brasileiros, desconhecemos a nossa história. Durante os anos do ensino fundamental e médio, pouco se aprofunda no conhecimento das nossas origens. E quando ingressamos na universidade, conforme as carreiras escolhidas, deixamos de lado o passado, vivemos o presente e constantemente projetamos o futuro.
E é para ter um futuro melhor, com novas perspectivas de vida para si ou para a família, que muitos emigram para países onde não dominam a cultura nem o idioma. Mesmo falando português, estamos noutra casa, com outros costumes e onde somos convidados.
Após uma hora e meia, chega a minha vez. Vou até à sala dos bilhetes D-H. Ali, estão cerca de 20 mesas com cadeiras para receber os entrevistados. Ao lado de cada mesa, um scanner serve para que os documentos entregues sejam arquivados digitalmente e devolvidos em seguida. Sou atendida pela jovem funcionária Valéria. Ela comenta que o sistema está um pouco lento: “Deve ser porque é sexta-feira”. Conversamos sobre as tendências de as empresas diminuírem ou eliminarem este dia de trabalho na semana e ela sorri: “Ah, seria muito bom se isso acontecesse!”. Após verificar tudo, fazer algumas perguntas e receber a ficha preenchida ali mesmo, tirar foto digital, a biometria e assinatura digital, Valéria explica que receberei a autorização de residência pelo correio. O pagamento da taxa é feito noutra mesa e é entregue o recibo.
Alívio. Estou mais tranquila. Eu e a minha irmã, que me acompanhou para me dar apoio fundamental, saímos. O sol continua forte em plena primavera. Agora é regressar para Canidelo, em Vila Nova de Gaia. Nos próximos passos desta jornada, estão as providências para obter o número definitivo do SNS – Serviço Nacional de Saúde, e a carta de condução portuguesa.
Ao conduzir para casa, lembro-me dos meses de preparação, dos muitos documentos providenciados, das orientações da advogada da empresa contratada para orientar o processo, do envio pelo correio de tantos papéis num envelope enorme e, claro, das várias taxas pagas até à chegada do passaporte com o visto e o agendamento da entrevista e sorrio para mim mesma.
Agora sim, sinto-me muito mais em casa. É hora de conhecer
melhor cada recanto deste país que se tem destacado no cenário europeu ao
receber migrantes e, especialmente, neste último ano e meio, tem abrigado
milhares de ucranianos. Mas essa é outra história que logo, logo, partilharei.