A dor contínua nas costas indicava a necessidade de assistência médica. Ainda sem o número de ‘utente’ – o número do utilizador do Sistema Nacional de Saúde – a solução foi ligar para o SNS 24 horas para obter orientação. Após explicar que era brasileira e, de acordo com um acordo entre os países, tinha direito a cuidados de saúde primários, fui submetida a uma série de perguntas – o que me lembrou da consulta médica online durante a pandemia de Covid-19.
No final, a funcionária pública orientou-me para procurar o centro de saúde específico entre as 20h e as 23h, localizado na região norte de Vila Nova de Gaia, onde seria atendida por não ter utente e por não se tratar de uma emergência. Em seguida, recebi uma mensagem no telemóvel com a confirmação do atendimento, assim como o endereço e o horário da consulta.
À noite, dirigi-me para Vilar do Andorinho, acostumando-me a considerar as estradas como ruas de minha freguesia – como o bairro é chamado em Portugal.
Ao chegar, a simpatia e descontração brasileiras entraram em ação para auxiliar na interação com as pessoas. Nem sempre o sentimento é mútuo, uma vez que percebi que os portugueses são diretos e objetivos – o que não significa que sejam rudes. É apenas uma diferença de abordagem em relação à nossa. Após explicar a situação, as duas funcionárias de serviço não apenas me orientaram para o atendimento médico, mas também me inscreveram no sistema nacional e obtive um número provisório de utente (agora posso até adquirir um seguro de saúde por 4 euros por mês). O utente definitivo será obtido depois de obter o título de residência por dois anos – que será concedido após uma entrevista a ocorrer em breve.
Enquanto aguardava pela consulta, vi jovens com bebés, senhoras idosas acompanhadas pelos filhos, casais de várias idades. Cada um aguardava pacientemente a sua vez para entrar num dos nove consultórios médicos. Quando chegou a minha vez, fui atendida pela Dra. Maria, uma médica que aparentava ter mais de 65 anos e cuja especialidade era Medicina Geral e Familiar. Após perguntas e exames, ela receitou os medicamentos, sendo que um deles foi administrado através de uma injeção no ambulatório, logo após a consulta. Ao sair, a funcionária administrativa informou-me que a fatura com a taxa correspondente ao serviço seria enviada para a minha casa para pagamento posterior.
Comparar com o Brasil é inevitável. Temos o SUS – que acredito ser um dos melhores sistemas de saúde, mas subdimensionado para a população brasileira, o que faz com que a espera por exames e procedimentos médicos, como cirurgias eletivas, demore meses. Por outro lado, há uma grande diversidade de planos de saúde – que muitas vezes têm tempos de espera semelhantes aos do SUS. Existem ainda alguns planos concebidos para atender pessoas mais velhas (recuso-me a chamar-lhes terceira idade, pois acredito que a melhor idade é aquela que envolve o estado de espírito da pessoa – há jovens que nascem velhos e setentões que desfrutam plenamente da vida).
No Brasil, eu tinha um plano de saúde para idosos e a espera por atendimento em ambulatórios hospitalares chegava a ser de quatro horas nos fins de semana ou feriados. Uma das vantagens do SNS em Portugal é a triagem telefónica. Se o atendimento não é emergencial, o SNS 24 orienta os cidadãos de acordo com a avaliação dos sintomas descritos. Caso já tenham um médico de família, tudo começa com o atendimento feito por ele num centro de saúde. Exames só são solicitados em casos de real necessidade, para fechar um diagnóstico que não possa ser realizado no atendimento primário.
Há falta de médicos de família e essa é uma questão constante nos meios de comunicação social (como a imprensa é aqui denominada). Caso a situação da pessoa seja grave ou represente risco de vida, ao ligar para o número 112, receberão orientação por parte dos funcionários do INEM – Instituto Nacional de Emergência Médica – que acompanham desde o local do incidente até à unidade de saúde. Temos um serviço semelhante no Brasil, mas está tudo concentrado no SUS, nas prefeituras e nos estados – o que sobrecarrega o sistema. As situações são semelhantes e fazem-me perguntar: será que os gestores dos dois sistemas já trocaram experiências para que os cidadãos do Brasil e de Portugal possam sempre beneficiar de um melhor atendimento?