Olinaldo Sousa Oliveira está no Porto com a Garrafeira Oli
Naquela sexta-feira de outono, lá estava eu a caminho do Porto para um encontro que envolvia mais uma experiência culinária com charme organizada pelo amigo português Fernando Antunes para um grupo de estrangeiros. Para variar, atrasada (juro que estou a aprender a ser pontual em Portugal), consegui finalmente estacionar o carro e chegar à rua de Cedofeita, número 12, para a experiência de degustação às cegas (blind wine) na Oli Garrafeira.
À frente dessa garrafeira (lugar ou loja onde se guardam ou vendem bebidas alcoólicas) está o sommelier Olinaldo de Sousa Oliveira, com uma trajetória que daria um romance. Natural de Hugo Napoleão, cidade do Piauí distante cerca de 120 quilómetros da capital (ou seja, na microrregião do Médio Parnaíba Piauiense), muda-se aos 11 anos para Brasília (DF), após a morte do pai. Lá, depois dos estudos obrigatórios, ingressa no seminário da igreja ortodoxa-síria de Antióquia. Vale o registo que a Igreja Ortodoxa-Síria foi a primeira congregação religiosa fundada em 34 d.C por São Pedro e São Paulo Apóstolo, e é considerada a primeira igreja em que os discípulos de Cristo foram chamados cristãos. Ali, forma-se padre e exerce o ministério religioso. Foram cerca de 20 anos dedicados ao seminário e ao sacerdócio.
Mas o que um padre ortodoxo-cristão tem a ver com vinhos – além da missa?
A conexão com o universo vinícola começou nos seus 15 anos, quando era vendedor de perfumes da Lord Perfumaria. Ao visitar um dos clientes que tinha a primeira adega climatizada de Brasília, fica extasiado, como conta:
“Eu apaixonei-me na hora por aquela adega. Fiquei encantado com as explicações do cliente sobre vinhos. Então, pedi para trabalhar com ele. Espantado, respondeu que não tinha dinheiro para pagar o meu salário. Eu já sabia o que desejava – aprender sobre aquele universo – e sugeri começar como motorista, para aprender o negócio e depois ir para a área de vendas”.
Aluno dedicado, em oito meses era gerente de loja, e iniciou as suas viagens para compra de vinhos na Argentina, Chile e estado do Rio Grande do Sul, no Brasil. Enquanto isso, seguia o seu ministério religioso. É importante esclarecer que na igreja síria-ortodoxa é possível conciliar o sacerdócio com atividades profissionais e pessoais – o que inclui constituição de família. “Eu celebrava missas às terças, quintas e sextas-feiras à noite e no domingo de manhã. Durante o dia, trabalhava com vinhos”, conta.
Além do comércio vinícola, passou a ministrar palestras e aplicou seu espírito empreendedor e comunicador para criar a Castas e Vinhos, a sua escola de formação de sommeliers. Além disso, era sommelier da Super Adega, atacadista brasiliense com mais de oito mil vinhos, tornando frequentes suas viagens para a Europa para escolhas e compras para o Brasil.
Entretanto, por questões que envolviam o seu casamento, Oli pediu licença das atividades religiosas e do trabalho, pois pretendia fazer um período de enclausuramento na Síria. Já não sentia alegria ao ministrar a missa – algo que amava – o que afetava o seu compromisso com a igreja. Foi quando conheceu Mônica, a sua segunda mulher. Então, pediu permissão ao bispo para se separar e desligar-se da igreja: “Conhecer a Mônica foi algo como aquele último segundo do segundo tempo – ou o jogador faz o golo ou perde o jogo”.
Oli explica que o “celibato é um código disciplinar interno e foi aderido pela igreja católica romana a partir de 1054, promulgado pelo papa Inocêncio II”. Já na igreja ortodoxa-síria, é possível optar pelo celibato ou pelo casamento. Enquanto o padre celibatário cuida da formação de outros padres, em mosteiros, os padres casados cuidam das suas paróquias e têm condições de aconselhar pois vivem em família os mesmos problemas da comunidade.
Hoje declara-se pai de três meninas – duas do primeiro casamento e a filha do primeiro casamento de Mônica. A decisão de sair do Brasil coincidiu com o desligamento da igreja. Portugal era o destino mais óbvio, pois a filha de Mônica residia no país e estava a precisar de apoio familiar no período pós-pandemia. Porém, mais que as razões familiares, havia uma atracção inexplicável com este país:
“Eu viajava para França, Itália, Espanha. Aí quando chegava a Portugal, parecia que estava em casa! Numa das viagens, fiquei oito dias em França e diminuí dois quilos. Mas ao chegar de noite em Lisboa, fui para um restaurante tipo marisqueira e parecia alguém que havia chegado do deserto do Saara. Queria uma boa comida, beber um bom vinho português… Em quatro dias recuperei o peso e ganhei mais dois quilos!”
Saiu do Brasil de mala e cuia e chegou a Porto
A certeza de que daria certo em Portugal fez com que ele se desfizesse de tudo no Brasil: “saí, literalmente, de mala e cuia, como dizemos no Brasil. A escolha foi o Porto pois sempre me encantei com esta cidade que se conhece rápido e é acolhedora. Quando cheguei a Lisboa, aluguei um carro – pois trouxe as minhas duas caturras (calopsitas), e não queria correr o risco de elas sofrerem em mais uma escala – e vim direto para cá”.
Na procura por um espaço, o casal deparou-se com uma loja para alugar, que entre outros fins, havia sido uma sapataria importante por 32 anos no centro histórico do Porto. Além de abrigar as garrafas e uma bancada no rés-do-chão (térreo no Brasil), esconde uma preciosidade – sobe-se uma estreita escada e no primeiro andar há um iluminado espaço para degustação de vinhos – com ampla mesa e cadeiras e duas bancadas ao lado das janelas. Ali são dadas as formações para leigos, feitas as degustações às cegas e onde pretende fazer formações de sommeliers: “Eu quero orientar melhor as pessoas sobre vinhos e partilhar o meu conhecimento”. No terceiro andar fica a copa e o escritório.
Vale conhecer as quintas com Olinaldo
Olinaldo não fica somente nos vinhos e tem familiaridade com as redes sociais: “Na pandemia, fazia lives todas as sextas-feiras no Instagram, mas não imaginava o impacto. Outro dia, um cliente brasileiro esteve aqui e disse: ‘olha, Naldo, se soubesse quanto as suas lives nos salvaram. Preparávamos o jantar com as receitas, ficávamos à espera daquela conversa sua e até hoje fazemos os pratos sugeridos”.
Em Portugal, concebeu o programa “Onde Nasce o Vinho?” no Canal YouTube com participação dos profissionais Paloma Galdino e Wendell Melo. Visita vinícolas, mostra a região e conversa descontraidamente com o produtor e, claro, falam sobre vinho. E, para breve, está a pensar na produção de podcasts.
Qual é o balanço do negócio e as dicas para quem deseja ir para Portugal?
“Inicialmente, pensei em montar uma lojinha pequenina, dentro das minhas condições financeiras. Entretanto, concretizei uma sociedade com os brasileiros Fernando e Milene Diogo, que abraçaram um projeto maior – não só vender, mas ampliar o conhecimento sobre vinhos e em formações de sommeliers”.
Com base na convivência com europeus e na experiência dos últimos anos em solo português, ressalta que aqueles que desejam empreender em outro país devem fazer um estudo de mercado muito bem-feito: “São outros costumes. Aqui as estações são muito bem definidas e isso rege o comércio. Por exemplo, o Brasil é ‘inflamado’ em dezembro, com um comércio vigorante. Já, aqui, na mesma época, o comércio não é tão pujante pois as pessoas estão no inverno e retraem-se mais em dias que escurecem às cinco da tarde”.
Finalmente, o mais importante… – qual a opinião sobre os vinhos de Portugal?
“O vinho português é sempre dado como o vinho custo-benefício. Ele realmente entrega o que promete. São vinhos muito bem elaborados em terras óptimas para as uvas. O corpo do vinho português, a sua estrutura, é diferente. Você bebe um vinho reserva com 12 meses em barrica e pouca produção pagando 17 euros. Com essa mesma estrutura, se fosse francês ou italiano, a garrafa não custaria menos de 50 euros. O produtor coloca o preço que entende ser o justo, o honesto. Portanto, se ele der 10% de desconto, sacrificará imenso a sua margem. Em outros países, poderiam aproveitar-se de ter uma pequena produção com o mesmo tempo em barrica, e iriam supervalorizar o produto, encarecendo o preço final.
Segundo reportagem do Jornal Económico de 13 de maio, as exportações dos vinhos portugueses registaram, no primeiro trimestre, um valor de 212 milhões de euros, que representa um volume total de 74 milhões de litros (-2,14% face a 2023) a um preço médio de 2,85 euros/litro (+2,20% do que em 2023). Em relação aos principais mercados de exportação, destacam-se a França (24,8 milhões de euros), Estados Unidos (23,7 milhões de euros) e o Brasil (18,3 milhões de euros). Sobre o volume exportado em litros, a França mantém-se na primeira posição (oito milhões de litros), seguida por Angola (6,6 milhões de litros) e depois pelo Brasil (seis milhões de litros).
Vamos participar da Caminhada Maluca?
Olinaldo não pára e está sempre a inventar novas formas de partilhar conhecimentos. Para quem deseja conhecer a história do Porto e, ao mesmo tempo, saborear comidas singulares e vinhos especialmente seleccionados, a dica é a Primeira Caminhada Maluca Enogastronómica do Porto (o nome é longo, mas pode chamar de Caminhada Maluca). Ele está a organizar o evento com base no que participou noutros países europeus.
Afinal, beber e comer é um dos melhores programas em Portugal! Será em 13 de julho, sábado, a partir das 10 horas da manhã. As inscrições estão abertas até o dia 30 de junho – para que os kits (com camisetas no tamanho indicado pela pessoa na inscrição) possam ser organizados.
Clique no link para inscrever-se na Caminhada Maluca
E, para encerrar, mais conhecimento. Clique no blogue para saber os erros de iniciantes na apreciação de vinhos (eu estou a ler todas as orientações!)
Saúde! Cheers! Prost! Toct! Na Zdorowie| Salud! Santé! Cin Cin ! Yamas! Kanpai!
4 Comentários
Bom saber de vinhos e das andanças no Porto!
Uma bela historia de vida.
Vamos visitar!
Com certeza, vamos. E com o Oli como cicerone!
Puxa, adorei o artigo e se pudesse faria a caminhada!!!!
Eu também, mas virão outras!