Vamos fazer uma viagem diferente ao passado?
Estamos em Vila Franca de Xira, distante 30 quilómetros de Lisboa, mas, claro, não no ano da gravura (provavelmente em 1840). O nosso guia é Vítor Seabra, simpático português de 79 anos que vive em Monte Gordo e que testemunhou o esplendor e a queda do Palácio do Farrobo.
O primeiro proprietário do Palácio foi Joaquim Pedro Quintela do Farrobo, segundo barão de Quintela e primeiro conde do Farrobo, conhecido como mecenas no Portugal do Liberalismo e que seguiu e superou a trajetória do pai no mecenato (1801-1869).
No Palácio, trabalhavam o avô e o pai de Vitor, que tomou outro rumo e foi ser serralheiro. Depois de casar-se, foi para França, onde viveu durante 20 anos e teve três filhas, regressando com a sua esposa após se aposentar.
Então, olhe bem para a gravura, feche os olhos e imagine uma imponente propriedade de 60 hectares no topo de uma colina, com vinhas à sua frente e gado solto. O vinho era produzido ali mesmo, num edifício construído para esse efeito. O Palácio tinha escadarias imponentes, paredes com azulejos em mosaico azul, trabalhos em ferro, quartos, casas de banho e cozinha. E mais: um teatro ao lado onde se apresentavam companhias italianas de ópera e uma capela, ligada ao palácio por passadiços.
O Conde de Farrobo possuía ainda a Quinta das Laranjeiras em Lisboa – hoje o Jardim Zoológico de Lisboa.
Então, naquela Lisboa do século XIX, ele ficou famoso por promover festas animadas após os espetáculos que também eram patrocinados por ele no seu Teatro Thalia, que ficava junto ao palácio e tinha a presença constante do rei D. Fernando e da sua filha Maria Ana. Foi por causa dessas famosas festas que surgiu a expressão “farrobodó” (no Brasil, chamamos de forrobodó).
A família possuía ainda a Quinta dos Sete Rios, a “casa de campo”, hoje conhecida como Palácio do Chiado. Como tudo o que vem, vai, reza a lenda que acabou com uma fortuna que a família demorou dez gerações a criar.
Mas voltemos a Vila Franca de Xira, que também tem o seu lado histórico…
Vítor conheceu toda a região porque o seu primeiro emprego foi como empregado de uma tabacaria. “De manhã, percorria toda a vila com um bloco e um lápis, anotando os pedidos nas tabernas e mercearias. À tarde, fazia as entregas”. Entretanto, o seu avô e o seu pai continuavam a trabalhar no Palácio. Em 1957, a propriedade foi doada pelo Visconde à Cáritas Portuguesa e foi feita uma grande restauração.
Mas, como nem tudo fica intacto, perto de acontecer a Revolução dos Cravos, o Palácio teve a sua noite sombria, como conta Vítor:
“Às vésperas de 25 de abril de 1974, homens chegaram e roubaram tudo, até a madeira. Levaram o órgão da capela e tudo ficou destruído. Depois, o presidente da Câmara Municipal (em Portugal, é a prefeitura) e o então presidente Mário Soares visitaram e disseram que tudo seria restaurado, mas isso não aconteceu”. Em 1980, a propriedade passou para a Santa Casa da Misericórdia de Vila Franca de Xira e desde então, apenas as ruínas e as ervas daninhas têm aumentado.
Pelo serviço prestado à família, o pai de Vítor recebeu da herança do Conde de Farrobo a casa e a propriedade ao lado do palácio, que ele posteriormente herdou e onde ainda vive hoje.
Uma cidade cai numa emboscada?
No entanto, a história de Vila Franca de Xira é ainda mais estranha do que as ruínas em Monte Gordo. Tinha o segundo cais mais importante depois de Lisboa e era a cidade mais desenvolvida da região. Aos domingos, recebia barcos vindos de Lisboa para comprar os seus famosos peixes. As antigas casas no cais indicam um passado rico e vibrante.
Em novembro de 1994, no lugar da antiga estalagem Lezíria e do cinema da cidade, é inaugurado o Vilafranca Centro Comercial, com 180 lojas, três salas de cinema – uma delas com tecnologia IMAX – e dois estacionamentos, sendo o terceiro maior centro comercial do país e o maior da região. Apenas 19 anos depois, em 2013, o centro comercial é encerrado.
Mas como é que um centro comercial morre? Segundo o site MAGG, não é uma resposta fácil de obter. A maioria das lojas pertencia à empresa Obriverca e os comerciantes queixavam-se dos elevados custos de condomínio. A administração respondia, dizendo que as dívidas dos comerciantes tinham tornado a situação insustentável. (Já vimos esse filme em várias cidades brasileiras…) Em 2017, o Banco Popular, do Santander, adquire tudo por cerca de 2,5 milhões de euros e, no final de 2018, inicia-se o chamado Projeto Tagus, nome dado à transação que reúne imóveis no valor de 600 milhões de euros, adquiridos pelo fundo norte-americano Cerberus.
Hoje, o que se vê em Vila Franca de Xira é um centro comercial abandonado e supermercados nas ruas próximas ao shopping já falecido. No seu interior, segundo um fotógrafo que conseguiu entrar no local insalubre em 2019, existem equipamentos como computadores, televisões e até paletes com garrafas de Coca-Cola intactas. Serve de abrigo e de cemitério para pombos. O restaurante panorâmico no último piso ainda exibe as cortinas de um tempo em que Vila Franca de Xira era o centro da região.
Segundo o Vítor, a cidade está um pouco parada:
“É essa a impressão que temos. Havia até uma fábrica que produzia farinha de trigo e cascas de arroz, em frente aos hotéis da cidade”. Hoje, é Alverca (uma cidade próxima) que está a crescer.
Despedimo-nos de Vítor e da sua filha, Maria Tereza, que é conhecida como Maitê. Ele fica ali com os seus sete gatos e ocupa-se diariamente com as suas tarefas – atualmente, está a restaurar um brasão em pedra do Palácio que tinha sido descartado. Cuida da casa ao lado da sua esposa e das plantas. É um exemplo de perseverança, tendo superado um cancro e um problema renal há alguns anos e retornado à sua vida normal no hospital.
No entanto, tal como muitos portugueses que encontro nas minhas viagens, ele mantém um bom humor e cortesia.
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