Lisboa recorda o encanto antigo da ‘pauliceia desvairada’
Cheguei a Lisboa em meio à chuva, frio e trânsito, mas animada para iniciar uma relação cordial com a capital portuguesa, suas avenidas largas e ladeiras estreitas, seus viadutos, praças e sua gente. No dia seguinte, conheci os bastidores do jornal Expresso, em Oeiras. A região moderna lembra o bom e charmoso Brooklin Novo, em São Paulo. A imponente sede do grupo Impresa assemelha-se à da Rede Globo em São Paulo. Impressionante. Ali estão as redações de jornais, revistas e estúdios de televisão. É de onde saem os programas da TV SIC (parceria com a Rede Globo). Uma robusta equipa de 500 funcionários.
Visitas à Redação é um programa para os subscritores do Expresso, que durante duas horas conhecem de perto como é feito o jornal e a revista Expresso (distribuída semanalmente e que adoro de paixão). Acredito que ser subscritor, além de saber as notícias, é uma forma de apoiar a sobrevivência do jornalismo. Faço isso no Brasil, com a Agência Pública, e outro jornal português, e tenho o maior orgulho em destinar meus suados reais e euros a eles.
Fomos recebidos na receção por David Dinis, diretor adjunto do jornal com 28 anos de profissão vividos em vários meios de comunicação social. O tour começou pela imensa redação dividida em editorias e profissionais da arte. Grandes ecrãs espalhados. Dinis detalhou a dinâmica de produção jornalística e seus horários de fechamento (momento em que os textos e fotos estão prontos para a etapa gráfica ou subida ao site).
Os três estúdios de TV fazem-me lembrar as idas a programas – seja como porta-voz em projetos das empresas, seja como assessora de imprensa ao lado de CEOs que dariam entrevistas. Visitamos também os vários estúdios para produção de podcasts. Considerando o estado de muitas rádios no interior do Brasil, parecia que estava em Marte!
Dinis fala com paixão sobre seu trabalho e especialmente os podcasts, cujos projetos têm crescido. São cerca de 30 podcasts para os mais variados gostos e ouvintes. Então, uma conversa sem pressa, com informação e respeito fechou o encontro.
O grupo de subscritores que integrei tinha vários profissionais aposentados, pessoas com senso crítico sobre a notícia e análise política afiada. Dinis mostrou como é o processo de edição da revista semanal. Há um sistema que divide o status das matérias e imagens por cores, para identificar o que está sendo feito, o que foi editado e o que já seguiu para a produção gráfica.
O Expresso nasceu há 51 anos e tem sua vida conectada com o final da ditadura em Portugal. “É livre, inteiramente livre. O doutor Balsimão (Francisco Balsemão, um dos fundadores) nada diz sobre notícia alguma, nem hoje nem nunca. Não quer dizer que não tenha opinião, mas é a sua opinião e há respeito sobre a nossa”, diz Dinis.
Questionado sobre a cobertura do partido político Chega (que tem semelhanças gritantes com o Bolsonarismo), Dinis ressalta que é preciso ser feita: “se eu fingir que aquilo não existe, eu não vou estar a fazer um serviço de informação. Eles são o terceiro maior partido do país”.
Podcast pode ser um caminho para o jornalismo?
O trabalho dos podcasts envolve cerca de 70 profissionais entre jornalistas e equipas técnicas, e seu começo lembra os projetos além-mar, no Brasil. Pelo que ele conta, os ingredientes por aqui foram os mesmos – paixão, ousadia, resiliência e bom humor. Dinis lembra que tudo começou há sete anos com o mínimo necessário. “Mas a redação do Expresso apaixonou-se por podcast, e, portanto, neste momento, a dificuldade é dizer não a novos projetos. Eu mesmo tenho uma ideia para um novo projeto, mas tenho que travar-me a mim próprio”!
O podcast jornalístico é outra maneira de contar as notícias ou de falar delas com linguagem informal. Mas, como qualquer outra iniciativa em negócios, há metas a cumprir. “Em dezembro passado, tivemos 3.200 milhões de downloads em todas as plataformas. Foram 800 mil usuários em um universo de 10 milhões de pessoas em Portugal. Nunca imaginaríamos que isto fosse possível e agora temos metas baseadas nos resultados obtidos”.
No outro lado da cidade, jornalistas debatem sua sobrevivência.
Trabalhar no Grupo Impresa, pela minha percepção da visita e como subscritora, parece ser muito bom. Mas há outras realidades. Lugares em que os jornalistas não recebem salários, não têm registro, ou têm carga horária que extrapola os limites do respeito profissional. Já vi esse filme muitas vezes no Brasil. E é triste assistir à reprise em terras lusitanas.
Mas há várias luzes no final do túnel. E foi isso que constatei no V Congresso de Jornalistas em que participei como observadora.
Aqui – tal como nos Estados Unidos e noutros países – só é considerado jornalista quem está nas redações. Respeito, mas discordo. Sou jornalista desde que me formei e apliquei os princípios da profissão em toda a minha carreira na comunicação corporativa. Torço para que os colegas portugueses vejam as luzes no final do túnel e encontrem novos caminhos. A resiliência, determinação, criatividade, ousadia e esperança realista têm ajudado os profissionais de jornalismo no Brasil. Espero que os portugueses também descubram novos caminhos. Jornalismo, sempre.