São 50 anos de liberdade e democracia. Foram 48 anos de opressão ditatorial. Séculos vividos em uma condição inferior. Mas sempre mulheres fortes e aguerridas.
Esse 8 de março, Dia Internacional da Mulher, tem um gostinho a mais em Portugal – afinal, são 50 anos de liberdade e democracia, depois de uma ditadura de 48 anos. Não dá para fazer comparações com o Brasil que teve vários períodos de exceção, sendo o último a ditadura de 1964 a 1985, com recrudescimento da violência a partir de 1968 com o AI-5. Dores, torturas, prisões, mortes – não se comparam. Lamentam-se. Servem como difíceis aprendizados para que não se repitam.
Ainda que falemos o mesmo idioma – com consideráveis diferenças – as lutas para a mulher conquistar seu espaço de direito estão em um contexto cultural, econômico e político. Acho fundamental entender o universo feminino desse país que escolhi para viver. E tenho sido gratamente surpreendida por essas firmes mulheres que encontro no meu dia a dia, e conheço pelos livros e reportagens.
Encantou-me sobremaneira a forma que o jornal PÚBLICO resolveu celebrar seus 34 anos com o mote “Ser mulher em liberdade”. Uma série de reportagens e infográficos, uma conferência em Lisboa e a direção por um dia em 5 de março de Maria Tereza Horta, jornalista, escritora, poetisa, e que continua combativa aos seus 86 anos.
O diretor do jornal, David Pontes, no editorial diz que é “uma edição que cruza a condição feminina com a celebração dos 50 anos do 25 de Abril. Uma revolução mudou muita coisa, mas não mudou tudo o que era necessário e 50 anos depois continuamos a tentar contrariar o que é estrutural e está errado, a desigualdade de gênero. Ainda há muito por fazer, mas também há muito que foi feito e deve ser celebrado”.
Para entender melhor esse universo feminino, um dos livros é “Novas Cartas Portuguesas, escrito pelas “três Marias” – Maria Tereza Horte, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa – e publicado em 1972. Obra recomendada pelo Plano Nacional de Leitura que tenho lido e considerado fundamental para conhecer a condição da mulher antes de 25 de abril e perceber o que avançou nesse cinquentenário de liberdade.
Então, durante 48 anos até 1974, em Portugal, os direitos da mulher eram… nenhum!
“A mulher era tratada como um ser inferior ao homem. Elas governavam a casa, eles mandavam no mundo. (…) No país do Estado Novo, a mulher existia para ser a mãe extremosa, a esposa dedicada, uma verdadeira fada do lar. Desde pequenina que era treinada para ser assim, submissa ao poder patriarcal do pai, do irmão e, mais tarde, do marido. O único futuro que podia ambicionar era o de fazer um bom casamento que garantisse o sustento da família, que, custasse o que custasse, tinha de se manter unida, estável e forte; uma metáfora do próprio regime”, segundo matéria do site RTP Ensina.
A mulher não podia votar. Não podia ser juíza, diplomata, militar ou polícia. Para trabalhar no comércio, sair do país, abrir conta bancária ou tomar contraceptivos, era obrigada a pedir autorização ao marido. E ganhava quase metade do salário pago aos homens.
Estas e outras leis foram rasgadas no 25 de Abril, e um ano depois da revolução, os direitos das mulheres ficaram consagrados na Constituição da República. O acesso das mulheres ao trabalho e ao emprego abriu-se a todos os cargos da carreira administrativa, à carreira diplomática e à magistratura. A partir de 1978, a mulher não precisou mais de autorização do marido para ser comerciante e passou a exercer qualquer profissão ou atividade sem o consentimento do cônjuge. Desde então, a taxa de atividade feminina tem crescido e atualmente coloca Portugal entre os países da União Europeia com uma maior participação das mulheres no mercado de trabalho. Se em 1974, era de 39% da população ativa (1.540.500 mulheres), em 2022, o percentual atinge 50% (2.607.600).
Então, os números hoje estão ótimos? Não.
Ainda há muito por fazer para que possamos dizer que temos igualdade de gêneros – e isso vale para Portugal, Brasil, e tantos outros países. É preciso haver mais mulheres em cargos de comando nas empresas, nas instituições e no governo. É preciso mais rigor nos crimes de feminicídio.
E finalizo com uma frase de Maria Tereza Horta que encerra a entrevista em vídeo que deu ao PÚBLICO:
“Você acha que ando entusiasmada? Não, não ando. Porque acho sempre que é preciso fazer mais. Sempre se fala dos direitos dos homens. E não entendo por que é que não se havia de falar dos direitos das mulheres. São seres humanos. Deviam ter os mesmos direitos. Ainda hoje não têm. (…) Eu vou lhe dizer, isso ainda continua muito atrasado. Completamente”.
2 Comentários
apesar de vc focar a condição da mulher em Portugal ao longo do século passado – claro, porque o propósito do artigo é esse – a condição da mulher no resto do mundo não era, e ainda não é diferente. as desigualdades continuam sendo transversais a quase todos os países do mundo. parabéns pela reflexão.
Sensacional. Ainda há muito o que fazer, começando pela própria auto imagem construída pelas gerações anteriores e submissas.